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Foto do escritorO Trabalho

São Simão e o dilema de Narciso

Aristogiton e Cármen Ludovice Moura (*)


O mito de Narciso é uma lenda da mitologia grega que narra a história de um jovem caçador fascinado pela sua própria beleza. Narciso se apaixonou por sua imagem refletida na água, que não é nada mais do que seu reflexo, uma aparência. Mas a visão refletida o ilude, pois o objeto de seu amor é ele mesmo. A aparência que ele vê não reflete o que ele é, mas que já deixou de ser.


São Simão, como muitas cidades do interior paulista sofre do dilema de pretender ser o que foi. Está presa a um passado próspero, tranquilo e confortável, que é a imagem que seus habitantes mais velhos têm dela, mas que tem de sobreviver num mundo novo, com novos valores e em veloz transformação, puxado pela juventude e pela tecnologia.



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Governar São Simão não deve ser muito problemático, vaticinam alguns. E parecem ignorar ou desconhecer o texto atribuído a Clarice Lispector, segundo o qual: “Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter... calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias... tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz”. De olho no futuro, tentamos, aqui, andar com os sapatos e olhar o mundo com os olhos de Marcos Bonagamba, atual prefeito e líder político simonense, exemplo dos dois mundos do dilema: jovem e político tradicional.


Segundo o IBGE, ele governa uma cidade que tem quase 100% da infraestrutura básica instalada, bons equipamentos de educação e saúde, e uma população com renda média que a situa entre os 1/5 das mais altas entre os municípios brasileiros; e, no entanto, tem de governar com uma estrutura burocrática do século XX para enfrentar problemas do século XXI.


A tecnologia da informação e da comunicação, por meio da internet e das redes e mídias sociais (Whatsapp, Messenger, Twitter, Facebook, Instagram...), tem levado a um maior empoderamento da cidadania, que já não quer governos que apenas a represente; quer governos participativos.


Esse sempre foi o grande desafio enfrentado, antes mesmo de a internet existir, por governantes, políticos e partidos, que já não representavam e não conseguiam resolver os problemas mais básicos da sociedade ─ educação, saúde, moradia, transporte e segurança ─ e menos ainda agora na pandemia de Covid-19. Que nos obrigou a sair das nossas zonas de conforto e a adotar o teletrabalho (para alguns “privilegiados”) e novas formas de relacionamento.


Hiperconectados em ‘tudo ao mesmo tempo agora’, mas desconectados fisicamente do outro pelo confinamento imposto pelo novo coronavírus, nos demos conta de que sem internet, não íamos poder ir a quase lugar nenhum. A não ser em nossa imaginação.


Se a tecnologia tem se mostrado de grande valia em tempos de afastamento social, sua existência tem elevado a importância das grandes cidades no jogo político mundial. Impulsionadas pelo fenômeno das opções e soluções tecnológicas, elas hoje são protagonistas das principais agendas, como sustentabilidade e aquecimento global, e estão à frente na resposta governamental à pandemia. A importância do governo federal e dos estados diminui na proporção que o vírus avança, enquanto a dos prefeitos cresce.


Paradoxalmente essa fórmula não se aplica a pequenas cidades, como São Simão. Elas estão no limbo da governança atual, pois não têm a capacidade burocrática e tecnológica das grandes metrópoles para fazer a transição do modelo de governo representativo para um participativo, e não conseguem se inserir nas redes que a sociedade constrói com a tecnologia.


Embora estejamos em meio a um desastre global de proporções bíblicas, o momento convida a unir corações e mentes simonenses para fazer de São Simão uma cidade moderna, transparente, participativa e colaborativa. Estamos vendo a chegada de gente jovem na política local e, ao mesmo tempo, o retorno daqueles que, nem tão jovens, querem resgatar a importância da cidade que trazem em suas lembranças.


A edição 116 do “O Trabalho” é um exemplo do uso dos recursos aqui citados.


Estamos assistindo a um mutirão digital de simonenses, nativos ou de coração, que vivem no Vale da Saúde ou em outros cantos do Brasil e do mundo, trazendo de volta aquilo que lhes é caro. Através das redes e mídias sociais trocam mensagens, informações, arte e cultura, e resgatam suas histórias e as histórias dos que os precederam. Não há dúvida de que essa iniciativa será um marco emocional para São Simão e para os seus habitantes, pois as cidades são mais que espaços geográficos; são também o ‘palco das realizações humanas; são lugares de trocas, desejos, memórias, sonhos, saudades, reflexões...’ O desafio que aqui lançamos é acrescentar a política a essa equação. A política com P maiúsculo, aquela que abre espaços, diálogos e permite justiça e liberdade.


Há muitos exemplos de “cidades inteligentes” no mundo que mostram como a tecnologia pode ajudar a resolver problemas e administrar as cidades. Podemos partir do empoderamento que a tecnologia proporcionou para a cidadania que está em rede para criar uma “cidade inteligente” para “cidadãos inteligentes”.


Afinal, ‘essa autoestrada paralela que buscamos começa a existir na imaginação de quem sonha com ela’, como ensinou o mestre, Cortázar.


A política, a nova política para um novo governo. Aquela que usa a tecnologia para distribuir poder, reunir pessoas, distribuir justiça e oportunidades. Esta é a resposta ao dilema de Narciso.


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(*) Aristogiton Ludovice Moura, simonense, e Cármen Ludovice Moura, simonense de coração, que nasceu em Ribeirão Preto; ele é presidente do Instituto Carlos Matus de Ciências e Técnicas de Governo e consultor; ela jornalista e poeta bissexta.

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